Que entramos na era Google da medicina todo mundo já sabe: paciente quer saber sobre sua condição e, para isso, recorre ao Google antes e ou depois da consulta para dar aquela conferida nas orientações.
Pensando nisso e, pensando no número de pacientes "mulheres jovens" que eu atendo no consultório com linfedema, vou oferecer minha contribuição médica aos "leitores do Google" com uma linguagem mais acessível que os artigos científicos que minhas pacientes tentam ler.
O que é o linfedema?
Você já ouviu falar em retenção de liquido? Aquele inchaço nos tornozelos (nos dois ou em um só) que demora para melhorar? A perna não dói, não muda de cor, não tem manchas, não tem varizes e nem vasinhos e, no início parece não incomodar até que a persistência do inchaço e os conselhos dos amigos levam a paciente, após meses a anos, ao angiologista.
O linfedema, ou edema de origem linfática, é o inchaço por desordem no sistema linfático, e, apesar de aparecer mais comumente nos tornozelos, pode aparecer em qualquer membro, face ou outra região do corpo.
Explico: assim como problemas cardíacos, renais, infecção e varizes podem ocasionar inchaço nas pernas, os "problemas linfáticos" também podem e, nesse caso, chamamos o inchaço por um nome específico, o linfedema, por suas características ímpares.
Só para ser claro: o linfedema não é uma doença, mas um sinal que pode aparecer de forma primária ou ser secundário a alguma condição.
Sobre o sistema linfático:
O pouco conhecido sistema linfático é formado por uma rede de vasos dispostos no corpo todo, incluindo os membros, tal qual as veias e as artérias, e contém no seu interior não o sangue, mas a linfa, um líquido de aspecto que varia entre o transparente ao leitoso composto de água, proteínas, células e outras macromoléculas. Esse sistema recolhe os líquidos que extravasam dos vasos sanguíneos e os leva novamente ao sangue na região do tórax.
E como acontece isso? O vaso linfático tem a capacidade de se contrair e aumentar essa contração até um limite normal, "drenando" o líquido absorvido em direção ao tórax. Além disso, a própria contração dos músculos ajuda nessa drenagem [olha o exercício físico aí!].
Qual é a causa do linfedema?
O linfedema acontece quando a função do vaso linfático está prejudicada, seja por obstrução, falha na contração (na drenagem) ou por lesão desses vasos.
Isso pode acontecer de forma idiopática (sem causa conhecida), por herança familiar, por ação de doenças, por ação de drogas, por trauma, por radiação ou após cirurgia.
Dependendo da causa, a lesão é irreversível, mas os sintomas podem se atenuar (e o inchaço desaparecer totalmente) durante o tratamento. [Sim, "durante" o tratamento, já que não há cura.]
E qual é a evolução do linfedema?
Aqui quero atenção: as proteínas do líquido que não são drenadas desencadeiam uma reação de inflamação local que culminam com fibrose do tecido e, após anos de doença não tratada, pode gerar deformidades permanentes.
A aparência do linfedema pode variar de acordo com o estágio de evolução da doença.
Nos estágios iniciais, o inchaço é acompanhado do "sinal do cacifo", que é a depressão que fica quando apertamos com o dedo no membro, e pode desaparecer espontaneamente durante a noite, com o membro na horizontal.
Na segunda fase, ainda permanece o "sinal do cacifo", mas o inchaço não desaparece espontaneamente, necessitando de drenagem linfática ou outros procedimentos.
Na terceira fase, há a assimetria do membro que, pela reação de fibrose dos tecidos, se deformaram permanentemente. Essa deformidade pode ser: circunferência maior do membro em relação ao contralateral, aspecto em casca de laranja do membro ou mesmo membro "elefantiásico".
E como saber que tenho linfedema?
A resposta mais óbvia é: consultando com um angiologista ou cirurgião vascular.
Em consulta, o médico vai procurar saber sobre história de linfedema na família, cirurgias recentes, traumas locais antigos ou recentes, doenças tratadas e medicações que esteja tomando. Também vai investigar sobre outras causas de inchaços, como doenças cardíacas, doenças renais, uso de anti-hipertensivos, doenças da tireoide, entre outros.
Ao exame físico, a ausência de varizes, dor nas pernas ou lesões nas pernas; o inchaço que poupa os dedos dos pés; e o inchaço assimétrico das pernas podem levar o médico a suspeitar de linfedema. Nessa etapa da consulta e, em muitos casos, a aparência do edema é tão característica para o médico, que ele consegue identificar o inchaço como sendo linfedema no exame físico.
Em outros casos, para confirmação o médico lançará mão de exames como Tomografia computadorizada e a linfocintilografia.
Também podem ser necessários outros exames ou avaliação de outros médicos se a suspeita do angiologista for de o linfedema tenha sido causado por alguma doença.
Como se trata o linfedema?
As lesões nos vasos linfáticos são irreversíveis e progressivas. Isso significa duas coisas: primeiro que não há cura e segundo que, se negligenciado, o linfedema evoluirá, invariavelmente, para o estágio irreversível.
Então a chave é: controlar o linfedema, e, para isso, fazer amizade com seu angiologista e com seu fisioterapeuta.
Para controle do linfedema, lançamos mão da chamada Terapia física complexa, que tem como tripé:
Exercícios miolinfocinéticos
Drenagem linfática manual
Terapia compressiva com bandagens inelásticas e meias elásticas de alta compressão
O tratamento é ser feito em duas fases: a de descongestionamento (terapia intensiva de reversão do inchaço), e a de manutenção (terapia para evitar retorno do linfedema). Dependendo da fase em que está o linfedema, o angiologista,o fisioterapeuta e o paciente [sim, o paciente!] em conjunto planejarão toda a rotina do tratamento.
Existem medicações para o linfedema?
Sim. Existem alguns derivados cumarínicos que têm ação linfocinética, ou seja, estimulam a ação dos vasos linfáticos e podem auxiliar no tratamento de pacientes selecionados. No entanto, são menos relevantes que a Terapia física Complexa no controle do linfedema.
Os diuréticos NÃO são indicados para o tratamento do linfedema, pois não agem no sistema linfático.
Existe cirurgia para o linfedema?
Em casos avançados, de deformidades importantes dos membros, pode-se lançar mão de cirurgias excisionais, com ressecções planejadas dos tecidos fibrosados. Não há cirurgia curativa.
Autoria:
Dra Karolina Frauzino é Membro da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular e possui Título de Especialista em Cirurgia Vascular pela Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular.
Excelente!
Muito bom sair das trevas para a luz.
Muito obrigada, Dra Karolina Frauzino, pelos esclarecimentos! Deus abençoe a senhora!