Dra Karolina Frauzino
26 de out de 20204 min
Atualizado: 9 de nov de 2020
Confesso que estou planejando esse artigo há meses. Além do teor da informação, que mudava ligeiramente a cada artigo científico que saia ao longo desses meses, acredito que a preocupação com o tom, as palavras e a minha responsabilidade em informar sem amedrontar me fizeram adiar a publicação desse artigo por diversas vezes.
O fato: a infecção pelo SARSCOV, como todos os vírus, pode originar diversas manifestações clínicas (doenças) diferentes. A manifestação mais comum é a pneumonia, mas artigos publicados já descreveram miocardite (inflamação do músculo do coração), vasculite (inflamação dos vasos sanguíneos), dermatite (inflamação da pele) entre outros. Entenda: esse é um comportamento comum a todos os vírus, o de causar mais de uma "doença" - o vírus da hepatite, que causa mais frequentemente hepatite, também pode manifestar dermatite em alguns casos.
Dito isso, a manifestação do COVID que vou conversar por aqui é a da trombose.
Vários trabalhos mostram que a inflamação que o vírus causa no corpo afeta a coagulação do sangue, predispondo a tromboses nas mais variadas veias e artérias do corpo - vasos das pernas, dos braços, do cérebro, do coração, etc. O local mais comum são veias e artérias dos membros inferiores.
Não. Não é bem assim.
Como já publiquei em outro artigo aqui a trombose não é doença de uma causa só, mas uma doença "multifatorial", o que significa que, para acontecer, precisa da presença de mais de um fator que altere a coagulação do sangue, o que chamamos de fatores de risco. Ao que tudo indica, a infecção pelo COVID é mais um fator de risco para trombose descoberto, assim como o uso de hormônios derivados de estrogênio e testosterona, varizes, câncer, imobilidade, entre outros já discutidos aqui e aqui.
Então vou ser bem direta na resposta às perguntas que devem ter surgido na sua mente agora:
"Se pegar covid, necessariamente terei trombose?" NÃO.
"Se pegar covid, tenho chance de ter trombose?" SIM.
"Se pegar covid, o que preciso fazer para não ter trombose?" DEPENDE.
É sobre esse depende que vamos conversar. É sobre esse depende que toda semana surgem diversos artigos científicos com estudos cada vez maiores e com maior confiabilidade científica.
Assim como em todas as outras situações, as medidas de prevenção são elaboradas com base na quantificação do risco de trombose, resultado de uma pontuação. Explico:
quanto mais pontos o paciente tem naquele momento, maior o risco de trombose
quanto maior o risco de trombose, mais incrementadas devem ser as medidas de prevenção a serem adotadas
Não vou dissertar aqui quais são as medidas e medicações que nós médicos tomamos para cada faixa de risco (baixo risco, médio risco e alto risco), pois minha responsabilidade profissional inclui, além de informar, também não estimular a automedicação descontrolada a que a população está suscetível nesse período de incerteza. Além disso não pretendo formar nenhum angiologista por aqui e informação demais sem conhecimento básico para assimilá-la pode só atrapalhar.
Os trabalhos científicos que estão sendo feitos objetivam tentar identificar com maior precisão quem vai se beneficiar com o uso de cada medicação disponível para prevenir a trombose, visto que o uso dessas medicações anticoagulantes traz necessariamente um risco muito conhecido e que também deve ser evitado por motivos óbvios, o risco de sangramento.
Alguns exames de sangue têm se mostrado aliados bastante fortes nesse sentido, porém até agora nenhum deles tem validade absoluta e, por isso, são usados para complementar a avaliação médica completa. Aqui está incluído o exame de D-dímero, que é mais um desses exames de sangue que têm ajudado a identificar quem está com maior risco de desenvolver trombose no COVID.
Outra informação importante é de que há evidências de que o risco de trombose pode permanecer mesmo após a infecção já curada. Por quanto tempo? Infelizmente temos que aguardar os próximos estudos, porém até o momento evidências sugerem algo em torno de 45 dias.
Concluindo, se o COVID é mais um fator de risco descoberto para trombose, assim como acontece com todos os outros fatores, ele traz maior risco quanto mais fatores a pessoa já possui, mesmo que não saiba. Dessa forma, uma avaliação médica geral para quantificar o risco de trombose se faz necessária, mesmo após a infecção já curada.
Já em caso de sintomas sugestivos de trombose*, a avaliação médica com angiologista é obrigatória, para ser feita o mais rápido possível.
Os locais mais comuns de trombose são os membros inferiores e os sintomas mais comuns são:
Trombose de veia: dor e inchaço na perna
Trombose de artéria: dor, palidez e frialdade na perna
Como já dito em outras publicações, os sintomas podem variar de pessoa pra pessoa e, na menor dúvida, uma consulta médica é imperativa.
Dra Karolina Frauzino é médica cirurgiã vascular em Brasília, dedicada ao tratamento de doenças venosas, com Título de Especialista em Cirurgia Vascular, pela Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular